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Eu sou militante de uma Angola melhor" afirma Mc K
Quinta, 02 Novembro 2006
Luanda - MCK já foi para muitos um mistério. Hoje aos 25 anos de idade, este músico ficou conhecido por alguns trabalhos underground de forte crítica social ao regime político. Por causa disso, alguns conotaram-lhe a UNITA.
Ao longo desta entrevista, desfaz alguns mistérios, fala da sua felicidade pelos mais de dois mil discos vendidos, do rap nacional que tem uma preocupação acentuada pelas vendas e um desprimor pela letra. Tal como diz, rap é mensagem e ao parafrasear, todo o homem é um animal político. Alguns dias depois da sessão de vendas, MCK falou ao Angolense, via internet, dados os constrangimentos que se colocaram ANGOLENSE
(ANG): Qual é o balanço que faz da sessão de vendas na portaria? Mais de 3 mil CDs vendidos, correspondem a sua expectativa? Porquê?
MCK: As minhas expectativas giravam em torno da dualidade entre arte e negócio, a música é arte, mas, o meu CD é uma mercadoria e, como tal, obedeceu ao padrão promocional que qualquer outro produto sofre antes de entrar para o mercado. Assim sendo, a não autorização das vendas no dia 8 de Outubro na portaria da RNA representou danos económicos, levando em consideração os transtornos publicitários de pósteres, panfletos, jornais, spots televisivos e radiofónicos, uma vez que tive custos consideráveis com a promoção. Ainda assim, o saldo positivo deve-se ao facto de ser um artista independente que não goza de nenhum patrocínio institucional e de uma vertente musical não comercial. Mas poder contar com o apoio e o carinho de mais de 3000 pessoas que, além de comprarem CDs e t-shirts, aguardaram pacientemente a enorme fila, para sessão de autógrafos e apresentação de felicitações com frases de encorajamento, numa clara manifestação de respeito e admiração do trabalho. Isto foi bastante emocionante!
ANG: Que canções e mensagens podemos apreciar neste seu novo CD? Continua na linha de crítica social?
MCK: O meu álbum devolve ao rap a sua característica fundamental, que tem sido tomada por assalto por um senso materialista excessivo, pura e simplesmente preocupado com as vendas. A minha mensagem demostra a essência do hip hop, onde o rap é um estilo musical de intervenção social. Assim sendo, faço uma fotografia do país nas minhas letras, procuro relatar tudo aquilo que o dia a dia produz, sendo a maneira como as pessoas vivem o centro de inspiração. Por isso, no álbum existe uma diversidade temática que passa da tristeza à alegria, da política ao amoroso, do social ao sentimental com uma análise tragicómica da realidade sem maquilhagens de Luanda até às comunidades abandonadas do interior do país.
ANG: Sente-se um político? O rap como música de vanguarda está em extinção para as letras bacocas e fáceis?
MCK: O rap traz na sua historicidade um cunho político muito forte, pois nasce no seio das comunidades pobres e descriminadas na ressaca dos movimentos activistas pretos norte-americanos, na ressaca do movimento de Harlem, black painters, Malcom X, Garvey e outros.... a isto associa-se o facto do homem ser um "animal político" como dizia Aristóteles no passado, pois não pode pensar numa vida em comunidade sem a política como linha de orientação e condução dos destinos dos povos. Cada sistema político representa o elo de ligação entre o Estado e o cidadão, com as actividades sociais devidamente demarcadas pelas fronteiras entre direitos e deveres sociais. A participação na vida política e social não deve ser encarada apenas como exclusividade de políticos e dos partidos... apesar de não me sentir um político por excelência, sinto-me um actor social inconformado com a situação e que usa a música como meio de manifestação.
ANG: Qual foi a sua reacção face a morte do ambulante por estar a cantar a sua música?
MCK: Tristeza profunda!!! Constrangimento... pois foi uma atitude condenável ao extremo, por se tratar da violação do mais humilde dos direitos humanos, o direito a vida.... assim como o desrespeito ao grande alicerce da democracia que é o pluralismo de expressão... foi um acto de terror que pra mim representou a maior semente de medo dos últimos anos... mas felizmente pode-se contar com o apoio de algumas pessoas e instituições locais e internacionais como os Srs. Justino Pinto de Andrade, Rafael Marques, a Rádio Ecclésia, a Open Society e muitas outras...
ANG: O que pensa do rap em Angola?
MCK: É a febre da juventude! Cresceu significativamente nos últimos anos, mas ao mesmo tempo sinto que perdeu em profundidade aquilo que ganhou por extensão. Hoje, lança-se mais CDs, existem mais produtores, a imprensa nacional promove mais, mas, perdeu alguns aspectos ligados a originalidade dos artistas, a beleza textual e coerência temática das letras, porque hoje as pessoas fazem a música com uma mentalidade mercadocêntrica, super preocupadas em vender o maior número possível de CDs, por isto alguns usam muitas futilidades como instrumento comercial, as jovens semi nuas nos vídeos, as letras sem ideias e a ostentação material que contrasta com o nosso modo de vida. No meu ponto de vista, a música devia representar o espelho da vida do povo.
ANG: É verdade que é militante da UNITA? Se não, qual é o seu partido, podemos saber?
MCK: Eu penso que já é altura de construirmos uma mentalidade social desapegada de interesses partidários. Reprovo a ideia de que a participação a vida política e social tem que ser uma exclusividade de partidos e políticos. A sociedade civil não é constituída apenas por partidos políticos, eu sou militante de uma Angola melhor aonde a paz se faz acompanhar do seu ingrediente fundamental, a justiça social; onde os recursos naturais representam sinónimos de estabilidade, progresso e qualidade de vida; aonde o tempo entra como uma variável na equação da vida como um recurso irrenovável; aonde cada um de nós se sinta parte do conjunto, com educação e saúde; onde a governação se assenta no principio da transparência e seriedade. Logo não sou militante da UNITA nem do MPLA... o meu exercício artístico não traz cores partidárias.
ANG: Foi mesmo alguma vez perseguido? Porquê e por quem?
MCK: Depende muito daquilo que se entende como perseguição. O sensacionalismo, por exemplo, é uma maneira inteligente de intimidação. A morte do miúdo Cherokee, o que é? A expulsão de um técnico de rádio, as proibições, as cartas, os recados, os telefonemas e ameaças dos pombos correios de varias instituições públicas são maneiras quase que invisíveis de impedir a liberdade de criação artística. Boa questão para em conjunto respondermos.
ANG: Quem é o MCK?
MCK: MCK é um jovem de 25 anos de idade que reparte a sua vida entre os estudos, a música e o trabalho. Artisticamente conhecido com os seus álbuns "trincheira de ideias" e "nutrição espiritual", que faz da música um exercício intelectual de partilha de educação, instrumento de luta, de informação e formação de consciências.
Fonte: Jornal Angolense